quarta-feira, 23 de março de 2011

Música erudita com novo fôlego.

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[ 23/03/2011 ] [Diário On Line - Plantão ]
Na terra do carimbó e do tecnobrega, batuta, violinos e sopranos parecem destoar em meio a um cenário tão informal e popular. Mas a verdade pouco conhecida é que o Pará é dono de uma tradição secular quando o assunto é música erudita, e vive um momento de resgate desse legado. “Aqui é o berço de vários dos maiores talentos eruditos do Brasil. Temos instituições que são referência e muitos dos nossos músicos alcançam destaque nacional e no exterior”, garante Joel Costa, da diretoria técnica da Fundação Carlos Gomes.
Entre o elenco de artistas dessa nova safra, dois deles, o tenor Atalla Ayan e a pianista Marília Caputo, sobem hoje ao palco de uma das principais casas de música clássica do mundo, o Carnnegie Hall de Nova Iorque. Um feito inédito para o Estado. No repertório do dueto, mestres como Beethoven e Tosti dividem lugar com músicas bem conhecidas por aqui.
“A nossa música tem grande valor. Numa noite tão importante, nunca mostraríamos um repertório com coisas nacionais simplesmente por sermos brasileiros e paraenses, mas porque acreditamos na qualidade das composições de Waldemar Henrique e Villa Lobos, que não devem nada a muitos dos grandes compositores clássicos”, defende Atalla.
Foi no Conservatório Carlos Gomes, a terceira escola de música mais antiga do país, em que os músicos iniciaram seus estudos. Caputo, aos oito anos, vinda de uma família de músicos, não demorou para embarcar para o exterior para aprimorar sua técnica. Attala começou estudar apenas em 2002, mas conseguiu rápida ascensão. Nove anos depois de ingressar no Conservatório, o tenor já passou por teatros de países como Estados Unidos, Itália, Grécia, Irlanda, República Tcheca, Peru e Espanha.
De férias em Belém, os músicos se conheceram e há dois anos se apresentam em casas americanas. “Marília faz doutorado em Nova Iorque, e anualmente, dez alunos são selecionados para tocar no Carnnegie Hall. Ela foi aprovada, e faria uma apresentação solo. Mas quando a professora escutou o trabalho do dueto, ela se encantou, abriu uma exceção, e nos convidou para a apresentação”, conta Atalla.
Passado glorioso, futuro próspero
No passado, a história da música erudita paraense reuniu maestros e compositores como Waldemar Henrique, Meneleu Campos, Paulino Chaves, Henrique Gurjão e Gama Malcher. Nas partituras, um misto de acadêmico e folclórico. Tão híbrida quanto a formação da cultura local, as obras eruditas paraenses revelam traços indígenas, caboclos e europeus. “O carimbó, por exemplo, que é uma das mais autênticas manifestações nossas, é transformado em linguagem acadêmica e incorporado pela produção erudita. Há peças falando das lendas, da fauna da Amazônia. Esse é o grande diferencial”, explica Joel Costa, da Fundação Carlos Gomes.
Traços amazônicos na face e na musicalidade carrega a soprano Adriane Queiroz, 39 anos, que figura no hall das principais cantoras de música clássica do mundo. Nascida no bairro da Terra Firme, periferia de Belém, a artista chegou à música por acaso, quando trabalhava com comunidades carentes. “Comecei a estudar música no final dos anos 80 para ajudar na alfabetização de crianças. Mas é impossível ter aulas com Marina Monarcha e não se apaixonar pelo canto”, diz, referindo-se à professora que encaminhou vários talentos do Pará à vida profissional.
Em 1997, com uma bolsa do governo estadual, Adriane viajou a Viena, onde aperfeiçoou seus estudos. De lá, seguiu para a Alemanha e deslanchou. A paraense integra o elenco estável da Staatsoper, a principal entre as três casas de ópera de Berlim, e canta sob o comando de um dos maiores regentes da atualidade, o argentino Daniel Barenboim. Ela conquistou ainda mais um grande feito: seu nome entrou no catálogo do mais prestigioso selo clássico do mundo, o Deutsche Grammophon.
Produção ainda está distante do público
Outro talento é Miguel Campos Neto, hoje à frente da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz , da Orquestra Jovem Vale Música e da Orquestra da UFPA. Aos 33 anos, ele é dono de um currículo que registra sua passagem por diversos palcos ao redor do mundo: Campos é diretor e fundador da Chelsea Symphony, de Nova Iorque; atuou como regente assistente da Amazonas Filarmônica em Manaus; e, como convidado, esteve à frente de uma das maiores orquestras da América Latina, a Orquestra Sinfônica de Porto Rico.
E a base de sua formação musical também se deu em terras paraenses. Miguel começou a estudar ainda criança, aos oito anos, no Conservatório Carlos Gomes, onde permaneceu até os 18, quando ganhou uma bolsa de estudos que o levou até a Universidade de Missouri, nos Estados Unidos. Formou-se bacharel em violino, depois ganhou outra bolsa de estudos, agora na Cidade do México, onde cursou mestrado e passou a se interessar por regência.
Em Nova Iorque, já no Mannes College of Music, Campos Neto fundou a orquestra Chelsea Symphony, há cinco anos dedicada a oportunizar a jovens regentes a primeira chance de subir ao podium. O projeto o faz viajar mensalmente aos Estados Unidos, mas é em Belém que ele passa o resto dos dias investindo esforços no cenário local.
“Além do apelo emocional, voltei porque aqui há muito a se construir. É um ótimo lugar para se trabalhar”, avalia, destacando ainda a obscurecida tradição clássica paraense. “Grandes teatros municipais do Brasil, como no Rio e em São Paulo, são bem mais novos que o Theatro da Paz. Isso quer dizer que Belém já foi vanguarda em espetáculos operísticos e eruditos. Não à toa, Carlos Gomes compôs aqui ‘O Guarani’, e tantas companhias italianas de ópera vieram se apresentar em Belém na época da Belle Époque”, contextualiza.
Para Miguel, a nova geração está pronta para revigorar o cenário, e não deixar ficar apenas na história o legado cultural da música clássica. “Há mercado aqui para isso. Hoje o músico paraense não precisa sair do Pará, ele sai se quiser. Já há curso de bacharelado do Estado. Para formar uma orquestra, não é preciso contratar músicos estrangeiros. Esses talentos são formados aqui. É isso que o Carlos Gomes faz e que o projeto Vale Música está fazendo. Os músicos paraenses se formam aqui e podem tocar no exterior sem deixar nada a desejar”, garante Miguel.
DESAFIO
Apesar de fabricar grandes músicos, o cenário paraense requer mais incentivo. Pelo menos é o que defende Joel Costa, da Fundação Carlos Gomes. “Há muitos talentos. O que falta é espaço na mídia para fazer essa produção erudita chegar ao público. O Pará tem uma produção de música popular massificada que toma conta do cenário e não há como competir. Então as TVs e rádios locais exploram apenas essa vertente, se esquecendo que aqui há tantos outros vieses da música”, critica o diretor técnico, que destaca a necessidade de fortalecer eventos como o Festival Internacional de Música do Pará, como meio de fomentar o intercâmbio entre músicos do Pará, Brasil e exterior.
De opinião semelhante compartilham os jovens músicos do Pedreira’s Quartet. Formado há pouco mais de dois anos, o grupo especialista em música de câmara – ou seja, para salas pequenas - surgiu como um experimento da Faculdade de Música da UEPA.
Akel e Kalie Fares, Rodrigo Santana e Artur Alves se empenham para levar a música ao maior número de pessoas possível, em apresentações gratuitas. O quarteto já se tocou em festivais internacionais e recebeu incentivos de profissionais de renome. Mas manter o projeto é enfrentar barreiras. Segundo Akel, o espaço da música erudita em Belém ainda é restrito e faltam incentivos financeiros para que essa cultura se fortaleça no Estado.
Para o Madrigal da UEPA, a batalha é a mesma. Formado há 10 anos com o objetivo de valorizar a música barroca e clássica, o coral reúne 22 vozes. Milton Monte, regente do grupo, afirma que faltam recursos para a expansão. “É preciso formar público, para fomentar a própria profissionalização dos grupos. Há dificuldade para levar o projeto para o interior. Falta a infra-estrutura mínima: água, lugar para ensaios, boa iluminação, lugar para guardar os instrumentos. Precisamos de mais bolsas de ensino, e projetos que abram portas para esses corais”, pontua. (Diário do Pará)

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