quinta-feira, 21 de julho de 2011

China desrespeita decisão do painel da OMC sobre matérias-primas.

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21/07/2011

Em disputa conturbada sobre acesso a recursos naturais chineses, o painel da Organização Mundial do Comércio (OMC) divulgou, em 5 de julho, decisão de que a China violou regras de comércio internacional ao restringir a exportação de nove matérias-primas. A deliberação recusou o argumento de Pequim de que tais restrições apresentavam motivos ambientais. A disputa foi iniciada em 2009 conjuntamente por Estados Unidos da América (EUA), México e União Europeia (UE) (DS394, 395, 398).

A decisão do painel foi recebida como uma vitória pelas Partes demandantes e por outros parceiros comerciais dependentes dos recursos naturais chineses. “Este é um claro veredito em favor do livre comércio e do acesso justo às matérias-primas. [A decisão] Envia um forte sinal para que se evite a imposição de restrições injustas ao comércio e nos aproxima de um patamar [regulatório] comum para matérias-primas”, afirmou o comissário de Comércio da UE, Karel De Gucht.

As declarações do representante dos EUA para comércio (USTR, sigla em inglês), Ron Kirk, caminharam no mesmo sentido: “a decisão de hoje do painel representa uma vitória significativa”. E acrescentou: “[a]s decisões do painel também constituem uma importante confirmação dos princípios fundamentais do sistema global de comércio. Todos os membros da OMC – sejam desenvolvidos ou em desenvolvimento – precisam de acesso não-discriminatório ao fornecimento de matérias-primas para que cresçam e se desenvolvam”.

Enquanto a UE e os EUA afirmaram-se esperançosos de que a China esteja pronta para discutir o resultado e cumprir a decisão, desdobramentos recentes podem apontar para outro sentido. Três dias após a OMC divulgar a decisão, Pequim anunciou novos controles à exportação de coque e metais não-ferrosos, desrespeitando a decisão do painel da OMC. Espera-se, ainda, que a China recorra da decisão.

Quando a China ingressou na OMC, comprometeu-se a disciplinar as tarifas que aplicava sobre as exportações para parte considerável dos recursos naturais – inclusive aqueles que constituem objeto do painel mencionado acima. O país também concordou em eliminar todas as restrições quantitativas – como é o caso das cotas.

No entanto, a China mantém um sistema de tarifas de exportação e cotas para uma série de matérias-primas – incluindo coque, zinco e bauxita. Tais materiais são essenciais para a produção de itens comercializados em todo o mundo, como medicamentos, CDs, automóveis, baterias, computadores e telefones celulares. As indústrias ocidentais de química, aço e metais não-ferrosos, bem como seus clientes, dependem fortemente das importações provenientes da China, pois grande parte dessas matérias-primas é encontrada apenas no país asiático.

Em 2009 e 2010, a China reduziu significativamente suas cotas, o que ocasionou uma alta nos preços globais que recebeu críticas de importantes parceiros comerciais do país asiático. De acordo com Ron Kirk, o “uso extensivo que a China faz de restrições à exportação com vistas a obter lucros por meio do protecionismo é seriamente preocupante”. As políticas da China oferecem vantagens competitivas substanciais a indústrias chinesas às custas de consumidores de matérias-primas de outros países. Tais práticas também causam distorções massivas e perturbam as cadeias de produção em todo o mundo, sustentou Kirk.

Para Johnson Chan, vice-presidente das Associações Unidas de Energia e Minerais de Hong Kong, esse quadro não é uma surpresa. “A China prioriza suas próprias necessidades, para que possa atingir o objetivo de se tornar um centro manufatureiro de alta tecnologia”.

Argumento ambiental não é válido para restrições à exportação

Pequim lamentou a posição final do painel, segundo a qual as restrições à exportação por meio de tarifas e cotas são inconsistentes com as obrigações assumidas pelo país sob o Protocolo de Acessão e os tratados da OMC relacionados.

Em sua defesa, a China alegou que sua política de restrição à exportação se justificava com base nas normas da OMC – mais precisamente, a cláusula de exceção geral do Artigo XX do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT, sigla em inglês) –, por motivos de preservação de recursos naturais e de proteção da saúde pública.

Ademais, Pequim argumentou que a extração de certas matérias-primas é prejudicial ao meio ambiente e à saúde. Durante o litígio, a China defendeu que “[o] controle da exportação de bens cuja produção envolve alto consumo de energia, poluição elevada e muitos recursos era extremamente necessário para a (…) redução da poluição ambiental, a desvinculação do desenvolvimento econômico da limitação de recursos e o alívio das tensas relações entre carvão, eletricidade e petróleo”.

O painel divergiu da posição defendida por Pequim sob o argumento de que “[n]em as medidas de restrição à exportação, nem as leis e regulamentações contemporâneas expressam em seus textos que as restrições à exportação estejam contribuindo para – ou sejam parte de – um programa abrangente com vistas a atingir o objetivo ambiental alegado”. Além disso, o painel afirmou não ter encontrado uma “associação clara entre a forma com que a tarifa e a cota são aplicadas e algum objetivo de preservação”.

Ainda, a política levada a cabo pela China foi condenada pelo painel devido à ausência de restrições similares para a produção e o consumo doméstico dessas matérias-primas – uma das exigências colocadas pelo Artigo XX do GATT.

Nesse aspecto, o painel observou que as “restrições à exportação não constituem uma política eficiente para tratar das externalidades ambientais, quando estas derivam da produção doméstica, mais do que das exportações e importações (…) A poluição gerada pela produção de bens consumidos domesticamente não é menor do que aquela gerada pelos bens consumidos no exterior”.

A UE – que tradicionalmente apoia a cláusula de proteção ambiental do GATT – recebeu com satisfação a posição. Segundo representante da delegação europeia, a UE acredita que as “restrições à exportação não contribuem e não podem contribuir para a meta [de promover uma produção de matérias-primas mais limpa e sustentável]. Existem medidas de proteção ambiental muito mais efetivas e que não discriminam a indústria estrangeira”.

Apoio à posição da UE sobre minerais terrosos raros?

O aspecto ambiental da disputa pode apresentar ramificações para outro potencial conflito envolvendo a China e a UE com relação a 17 minerais terrosos raros, de extrema relevância para a indústria de alta tecnologia. A China possui quase um monopólio na produção desses materiais, mas introduziu, nos últimos anos, uma série de medidas restritivas que têm sido consideradas prejudiciais à UE.

Ainda que as decisões do painel e do Órgão de Apelação não tenham precedente na OMC, a recente deliberação sobre as matérias-primas do painel pode ser um importante indicador de como as regras da Organização podem ser aplicadas em tais casos.

É importante destacar que o painel não apenas rejeitou o argumento ambiental utilizado pela defesa da China, mas também sustentou que os “Membros da OMC não podem se apoiar no Artigo XX (g) [exceção à preservação] para justificar restrições à exportação (…) se elas operarem no sentido de aumentar a proteção da indústria doméstica”. A decisão ressaltou que tal prática violaria outra provisão do Artigo XX (parágrafo (i)) e que “‘conservação’ não pode ser interpretada de forma a (…) permitir que um membro faça, com relação a matérias-primas, indiretamente o que o parágrafo (i) proíbe diretamente”.

Finalmente, o painel enfatizou o potencial das restrições à exportação em gerar efeitos negativos no longo prazo para os esforços de preservação. “Por meio da redução do preço doméstico, [uma restrição à exportação] funciona, na prática, como um subsídio à cadeia produtiva, com o provável resultado de que essa cadeia, com o passar dos anos, demande mais recursos do que demandaria na ausência da restrição à exportação”.

A China possui 60 dias para apelar da decisão ou aplicá-la. Caso contrário, o país corre o risco de enfrentar retaliações de EUA, México e UE.
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