segunda-feira, 22 de agosto de 2011

''A vida segue, não mudamos nossos planos com a crise''

www.simineral.org.br

22/08/2011

Executivo diz que crise atual é diferente da de 2008, quando a empresa reduziu produção e demitiu, e afirma que não abrirá mão de projetos por acusações de ingerência política

Murilo Ferreira, que completou ontem três meses na presidência da Vale, iniciou sua gestão na mineradora atropelado por uma nova crise internacional. Mas, ao contrário de 2008, quando a empresa foi uma das primeiras a cortar produção e pessoal para enfrentar a turbulência, ele garante que a Vale atravessa incólume, ao menos por enquanto, o agravamento da situação. "Não tivemos nenhum pedido de cancelamento de embarque, nenhum pedido de transferência de datas de embarque", afirmou, em entrevista ao Estado.
 
O executivo anuncia em duas semanas o acordo com a Petrobrás sobre arrendamento ou cessão da área de um megaprojeto de exploração de potássio em Sergipe e afirma que a Vale, em breve, estará entre as três maiores produtoras mundiais de fertilizantes. Estratégia que, reconhece, está de acordo com uma meta governamental. Mas que também é vista como prioridade de negócios. "Não vou deixar de fazer um projeto porque alguém acha que estamos sendo orientados pelo governo", declara. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. avalia a crise atual?
A crise nos Estados Unidos começou há algum tempo, com constantes déficits públicos ao longo de muitos anos. Também as famílias americanas foram se endividando seguidamente. Não podemos alegar surpresa em relação a isso. Todos sabemos que esse processo de desalavancagem será doloroso. Mas tenho expectativa de que, quando os americanos conseguirem fazer uma agenda política comum, coisa que hoje não ocorre, eles serão capazes de sair dessa crise de forma mais rápida. A Europa já é uma coisa muito mais complexa, países que se alinharam com uma política comum, com uma moeda comum. Aliás, essa política não é tão comum assim, ela abrange uma parte de todos os assuntos, mas veio desacompanhada de uma política fiscal. Estamos enxergando bastante instabilidade por algum tempo.

E a China, que hoje é um dos maiores mercados da Vale?

Continuo fortemente otimista em relação à China. Mas há um sinal que preocupa, que é a inflação chinesa de 6,4%. Se fizer um zoom e focar exclusivamente nos alimentos, chega a atingir, no mês passado, 14,8%. Nós todos sabemos que os chineses não convivem bem com inflação alta, especialmente em seus alimentos. Isso me preocupa. A China, de outubro para cá, lançou dez sucessivas medidas macroprudenciais visando reduzir essa inflação. Aparentemente, teremos um freio no nível inflacionário, que será muito bom. Agora, dizer de que forma isso ainda vai impactar na política econômica chinesa, eu não seria capaz de prever.

Na crise de 2008 o preço do minério teve de ser reajustado para baixo...

O mercado (na época) começou a comprar muito no spot (à vista), que ficou muito baixo. O que houve foi uma migração extraordinária dos contratos. Hoje, existe uma mudança importante. Naquela crise, as linhas de crédito, os recursos bancários, tornaram-se repentinamente indisponíveis. Com isso, as transações comerciais foram extremamente prejudicadas. Agora, o comércio continua normal e, pelo menos para nós, no que se refere a minério de ferro, temos estabilidade.

O novo cenário traz de revisão de investimentos?
O planejamento estratégico da empresa é bastante arrojado. Estamos, neste momento, na elaboração do planejamento estratégico do ciclo 2011/2012, assim como na elaboração do orçamento para 2012. Eu diria, como naquela imagem do Nelson Rodrigues, que vamos continuar com a vida como ela é, ou seja, não estamos planejando nenhuma mudança substancial.

Em volume vendido, a Vale tem sentido alguma mudança depois da crise?
Nenhuma mudança. Não tivemos nenhum pedido de cancelamento de embarque, nenhum pedido de transferência de datas de embarque. Essa é uma crise de confiança em determinados ativos financeiros. Mas é também a repercussão de algo mais importante, como falei, dos Estados Unidos. Essa falta de união política, de consenso, nos Estados Unidos.

Para enfrentar a crise de 2008, a Vale reduziu produção e demitiu. Isso será necessário agora?
Como eu disse, não houve nenhuma alteração nos nossos pedidos, datas de embarques. A vida continua normal na Vale e, portanto, as coisas estão ocorrendo como o planejado. Tivemos em julho um mês muito bom para a história da Vale. A vida segue normalmente.

Como andam os projetos da Vale para fertilizantes?
Estamos com o projeto Rio Colorado, na Argentina, em implantação, já aprovado pelo Conselho da companhia. Sou muito confiante nesse projeto, que é o de maior valor da história da Argentina, de US$ 6 bilhões. Temos o projeto de Carnalita (Sergipe). A mina de Taquari-Vassouras (próxima a Carnalita) deverá exaurir-se dentro de quatro, cinco anos. Estamos em discussão com a Petrobrás para cessão ou arrendamento da área onde poderíamos desenvolver o projeto de cloreto de potássio.

Por que as negociações se arrastam há tanto tempo?
Comigo está durando pouquinho ... (risos). Vocês querem cobrar mais rapidez ainda? Esse projeto já está muito bem endereçado. As iniciativas da Vale na Argentina, em Sergipe, em Minas e no Canadá são bastante fortes. A Vale quer ter uma posição expressiva no mercado de potássio.

Porque a Petrobrás resistiu ao arrendamento da mina de Sergipe?
Eu acho que estava faltando um pouquinho, talvez, de foco na discussão. Alinhamos os pontos sobre o número de anos de cessão da reserva, o tamanho da reserva. Definimos o tamanho e estamos bastante adiantados. A divulgação deve ocorrer em duas semanas.

De quanto será esse investimento?
Não temos ainda valores. Mas, o projeto de Carnalita será de 2,2 milhões de toneladas. Em valores, temos os US$ 6 bilhões da Argentina. Mas ainda não está definida a soma para Patrocínio, Canadá e Sergipe.

Esse segmento de fertilizantes é mesmo estratégico para a Vale?
No ano passado, a BHP Billiton (a primeira no ranking de mineração; a segunda é a Vale) fez uma oferta pela PotashCorp, que é a maior empresa de potássio do mundo. Naquela ocasião, a BHP ofereceu US$ 130 por ação, quando a ação estaca cotada a US$ 94. Hoje, se você for verificar a cotação da Potash, mesmo depois dessa crise toda, está a US$ 165. Ora, se estava US$ 94, alguém ofereceu US$ 130, a transação não deu certo porque o governo canadense não aprovou a transferência para a BHP, e está em US$ 165 hoje, apesar de toda a crise, e já tendo batido US$ 190, é uma demonstração de que o ativo é importante.

Sempre que se fala que a Vale vai entrar em fertilizantes, há uma referência à decisão de governo de tornar o País autossuficiente neste segmento. É estratégia da empresa ou do governo?
Acho que o governo, legitimamente, não está feliz vendo o País tão dependente de consumo do mercado externo. Acho que, legitimamente, está interessado em que as empresas que possuem concessão mineral de fosfato, de cloreto de potássio, de potássio desenvolvam os projetos. Acredito firmemente que esse é um mercado bom para a Vale estar. Basta ver o comportamento da Potash para ver que quem é acionista dessa empresa tem todas as razões para estar feliz. Não vou deixar de fazer um projeto porque alguém acha que estamos sendo orientados pelo governo. Estamos cedendo aos argumentos de mercado que mostram que é bom investir em potássio e fosfato. Este é um assunto que está no planejamento estratégico. Então, considero que quando uma pessoa faz um julgamento desse (ingerência política), está sendo precipitada.

No caso de fertilizantes, a reação do mercado não é ruim. Mas não se pode dizer o mesmo dos investimentos em siderurgia. O que o sr. acha da manutenção desses projetos?
A Vale tinha 70% do mercado de consumo de minério de ferro no Brasil em 2005. Hoje, tem 50%. Em 2014, deverá ter 29%. Nossas siderúrgicas transformaram-se em mineradoras. Elas têm tido boa parte de sua receita oriunda de mineração. A Vale está determinada a recuperar o seu market share. Para isso, está fazendo os melhores esforços para trazer empresas siderúrgicas com tecnologias modernas para o Brasil. Por exemplo, no projeto siderúrgico de Pecém, no Ceará, temos a Posco e a Dongkuk como sócios. A Posco é uma das líderes em tecnologia de siderurgia no mundo, a Dongkuk é uma das líderes em aços especiais e a Vale tem uma posição importante em mineração. Te pergunto: qual a influência política que pode ter a Posco e a Dongkuk decidirem investir no Brasil valores importantes? É porque eles estão enxergando no mercado interno brasileiro uma grande possibilidade de sucesso. Acho que estamos alinhados: nós, porque queremos vender mais minério; eles, porque querem produzir aço numa região onde preveem grande crescimento.
O Estado de São Paulo

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